A Base Industrial de Defesa brasileira tem na Avibras Aeroespacial e Defesa uma das empresas de maior destaque e longevidade (completou 60 anos em 2021) de sua história recente. Capaz de fabricar sistemas de comunicações, implementos logísticos e autopeças, certamente ela é mais conhecida mundialmente por projetar e fabricar o Astros, um sistema de artilharia de saturação de área com foguetes comprovado em combate e “bala de prata” do Exército Brasileiro com o advento do míssil tático de cruzeiro.
O legado tecnológico Avibras, obra iniciada por João Verdi há 62 anos. Imagem: Avibras
Paradoxalmente, essa companhia de alta tecnologia e pessoal altamente qualificado, que domina diversas competências e desenvolve sistemas de armas avançados, passa pela sua terceira recuperação judicial, um recurso que permite as companhias suspenderem e renegociarem parte das dívidas acumuladas em um período de crise, evitando o encerramento das atividades, as sempre indesejadas demissões e a falta de pagamentos aos credores e fornecedores.
A visita de Infodefensa as instalações da Avibras, em especial aquelas ligadas ao desenvolvimento do míssil tático de cruzeiro, comprovaram o tamanho e a importância do legado tecnológico que ela representa.
A inclusão da Avibras nas Garantias de Crédito pelo Govern Brasileiro é fundamental e deve ser feita agora, no início de 2023. Arte: Infodefensa
Aqui cabe uma importantíssima observação. A Avibras Aeroespacial e Defesa, enquanto Empresa Estratégica de Defesa, tem na palavra “Estratégica” uma constatação factual, e não um título de marketing casual. A companhia brasileira realmente possui o domínio do ciclo completo de sistemas de defesa complexos, sendo uma capacidade única em todo o hemisfério sul, algo constatado visualmente e tecnicamente pela reportagem de Infodefensa.
Roberto Caiafa entrevista João Brasil para Infodefensa. Foto: Avibras
Para falar sobre a recuperação judicial da empresa e outras questões que envolvem recursos e mecanismos de financiamento da Base Industrial de Defesa brasileira, entre outros temas, Infodefensa conversou com João Brasil, CEO e presidente da empresa.
Infodefensa: João Brasil, começamos essa entrevista pelo ponto principal, quais os fatores foram responsáveis pela terceira recuperação judicial da Avibras?
João Brasil: É muito importante que se coloque aqui um problema clássico para a Base Industrial de Defesa brasileira, que é a crônica falta de uma previsibilidade das aquisições anuais, ao menos dos chamados itens consumíveis, reposição de munições e a prestação de serviços de manutenção e suporte, dentre outras receitas. O estabelecimento dessa previsibilidade requer planejamento, planos plurianuais sólidos e um maior diálogo entre o Estado Brasileiro e a Base Industrial de Defesa, por que com o modelo orçamentário atual, a sensação é que “não se sabe o dia de amanhã” tanto para as Forças Armadas como para a BIDS. Com o advento da Pandemia do Covid-19, e a perda de alguns importantes contratos de exportação, entramos nessa situação de recuperação judicial.
(Nota do autor: Nesses contratos haveria pelo menos um comprador do AV-MTC, o launch customer do míssil de cruzeiro, um negócio que a Pandemia do Covid 19 impediu).
Infodefensa: Então o que a Avibras pleiteia do Estado Brasileiro é um aporte de recursos para reverter a crise instalada com o advento da pandemia do Covid-19?
João Brasil: Esse seria o motivo principal da recuperação judicial pela qual passamos, é correto afirmar isso, mas eu vejo claramente que, se tivéssemos essa previsibilidade orçamentária mínima que citei, anualmente, teríamos condições de superar essas flutuações de mercado de forma muito mais racional, com dificuldades, certamente, mas não a ponto de entrarmos em uma recuperação judicial tão traumática. A perenidade das Forças Armadas como instituições do Estado Brasileiro é algo que precisamos saber utilizar com mais sabedoria e mais planejamento.
Infodefensa: Na sua avaliação como empresário do setor, o novo Governo que assumiu em 2023 entende a importância de apoiar a indústria de Defesa nacional?
João Brasil: Encontrar uma solução para os problemas das empresas de Defesa brasileiras envolve muito diálogo com o Executivo, com o Legislativo (Congresso Nacional) e ações de Estadista. Eu penso que o presidente Luís Inácio pode ser esse estadista, na medida em que foi no seu primeiro governo que a Estratégia Nacional de Defesa foi promulgada e começou a ser implementada, garantindo assim muitas das entregas que acontecem até hoje. Uma Indústria de Defesa capaz é uma ferramenta diplomática muito forte, capaz de abrir novos mercados trazendo mais indústrias e mais produtos brasileiros. O efeito diplomático que um negócio na área de Defesa traz na relação Governo a Governo abre espaço para que outros produtos, serviços e tecnologias também possam ser negociados, e o papel do presidente da República é importantíssimo. O ministro da Defesa também precisa ser ouvido de forma mais intensa.
O Astros se equipara aos melhores sistemas de artilharia com foguetes do mundo. Foto: Infodefensa
Infodefensa: Voltar a ser responsabilidade da Presidência da República esse diálogo e promoção da BIDS, como era feito antes, não ampliaria o acesso das empresas a melhores oportunidades para divulgação de seus produtos, especialmente nos mercados internacionais?
João Brasil: Uma maior sinergia entre o Ministro da Defesa e a Presidência da República já traria muitos benefícios importantes, e penso que isso deverá acontecer naturalmente, a medida que o Governo que começa for se inteirando dos inúmeros desafios que terá pela frente. Estamos prontos para compartilhar com esse Governo a importância do Legado Avibras para o Brasil.
Infodefensa: Vamos falar de Garantias Bancárias, um tema urgente para a Avibras. Por que a inclusão da companhia nesse mecanismo financeiro é tão importante agora, no início de 2023?
João Brasil: Garantias de pagamento inicial, garantia de performance de contrato funcionam assim, quanto mais vantajoso o contrato que a empresa consegue, mais difícil de obter essa cobertura no mercado financeiro . Existe um incrível conceito reputacional que o setor de Defesa é “ruim para a imagem” dos grandes bancos brasileiros e seus investidores, e sistematicamente temos o acesso a esse crédito negado, inclusive pelo Banco do Brasil, para citar uma instituição. A questão orçamentária e o seguro de garantias de exportações tem de estar na agenda do Congresso Nacional, isso não pode ficar só na alçada do Executivo, o Legislativo precisa definir os investimentos na base Industrial de Defesa brasileira de forma perene, linear e planejada. Quando estamos produzindo, geramos uma quantidade considerável de pagos em impostos federais e estaduais, adicionalmente.
Infodefensa: E a questão da Avibras ter acesso ao Fundo Geral de Exportação para financiar parte de seus contratos, isso acontece?
João Brasil: O Fundo Geral de Exportação, se ele estivesse disponível hoje, somente com as operações Avibras, poderia estar com cerca de R$ 3 bilhões em caixa. Essa é uma questão que a CAMEX (Câmara de Comércio Exterior) precisa olhar com atenção, mas é necessário começar pelo Legislativo, precisamos esclarecer o Legislativo com relação a estas circunstâncias, entrada de moeda forte no País pelas empresas exportadoras, e não somente através de capital especulativo altamente volátil. E quando digo precisamos, falo das atuações fundamentais dos Condefesas, da Abimde, do Simde, das Federações, da Confederação Nacional das Indústrias, enfim, todos os atores envolvidos. Para se obter as garantias requeridas pelos contratos, precisamos exportar, somente o poder de compra do Estado Brasileiro não sustenta essa estrutura que a reportagem de Infodefensa teve a rara oportunidade de conhecer. Além do apoio institucional as exportações, precisamos do apoio prático, que são as garantias de exportação. João Verdi, meu pai e fundador da Avibras, se formos ver as entrevistas que ele concedeu a frente da empresa, em quase todas ele fala sobre os créditos e garantias de exportação. Trata-se de um doloroso e recorrente problema dentro da Base Industrial de Defesa brasileira, há décadas.
O míssil AV-MTC no rig de integração: armamento está quase ponto para entrega. Foto: Roberto Caiafa
Infodefensa: Mas um Fundo de Exportações independente da questão orçamentária federal já atenderia?
João Brasil: Sem dúvida! Uma política de financiamento realmente eficaz para as empresas exportadoras geraria recursos para o Governo Federal com muito baixo risco. Esse fundo poderia ser gerido pela CAMEX sob coordenação da área econômica do Governo Federal, deixando de ser algo contábil apenas, e tornando-se bastante eficaz mesmo não contando com vultosos recursos. Sabemos da vontade do novo Governo em ajudar a Base Industrial de Defesa, mas precisamos operacionalizar isso no curtíssimo prazo. Entendemos que não estamos entre as primeiríssimas prioridades de governo, mas não podemos estar fora das prioridades do governo, sob pena de perder-se todo esse legado tecnológico.
O foguete guiado AV-SS 150 entrega submunições e ogivas a distâncias de 150 km. Imagem: Avibras