No mais recente capítulo da "Novela Avibras", logo após o ministro da Defesa brasileiro confirmar a desistência da australiana Defendtex, surgiu com força na mídia brasileira a notícia de que a chinesa NORINCO seria a empresa autora da carta proposta citada pelo titular do Ministério da Defesa brasileiro durante uma Live na internet, na última quinta-feira.
Acontece que a gigante chinesa não foi a única empresa a colocar uma proposta pela Avibras, e talvez a fala no singular do ministro José Múcio tenha ajudado a criar essa compreensão incompleta da situação.
Adicione-se a iminente visita do comandante do Exército Brasileiro a China e suas declarações sobre quais os interesses da instituição com relação ao País asiático e indústria de defesa, e essa "certeza" fica ainda mais "evidente".
O destino da Avibras pode ficar entre China e Golfo Pérsico. Firma: Avibras
A repercussão internacional sobre os motivos do interesse australiano na compra da Avibras já seriam um bom motivo para uma resposta chinesa, e uma proposta de compra ou sociedade que manteria controle brasileiro na companhia seria um arranjo considerado aceitável pelo Governo brasileiro, já que este não estaria interessado em intervir na empresa e assumir o seu controle, pelo menos até o momento.
De fato, existem pelo menos duas propostas, a chinesa, citada pelo ministro brasileiro, e outra de um grupo empresarial do Oriente Médio, que ainda é sigilosa e não se conhecem os detalhes.
E ao longo da semana não será surpresa se surgirem outras propostas de "interessados" em adquirir a empresa brasileira.
O Fator China
A proposta chinesa de adquirir 49% da Avibras só funciona se acontecer como uma negociação feita de governo a governo (gov 2 gov), com amplo envolvimento do Estado Brasileiro.
E essa movimentação está sendo construída há alguns meses.
No dia 19 de abril último, ocorreu uma reunião na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), onde o presidente do banco, Aluísio Mercadante, recebeu a Norinco (China North Industries Corporation), com as presenças de Li Wenjie (Vice Presidente NORINCO), Li Jinghong (Diretora Dpt. América e África), Qin Wangguo (Supervisor de Mercado Brasil), Dagoberto Porto (Diretor Norinco Brasil), Walter Haddad (Diretor Norinco Brasil) e Liu Yian (Gerente Comercial Dpt. América e África), além de uma equipe técnica do BNDES.
Logo a seguir, no dia 22 de abril, uma massiva comitiva da NORINCO com 10 pessoas (lideradas por Li Wenjie) reuniu-se em Brasília com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, acompanhado do secretário geral da pasta e o secretário de produtos de Defesa.
Na pauta, a construção de um amplo acordo de Defesa entre o Brasil e a China que passa obrigatoriamente pela NORINCO e suas capacidades industriais, e pela amplamente anunciada visita ao País a ser realizada pelo comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva.
Segundo apurou Infodefensa, a possível aquisição da Avibras será um dos principais temas a serem discutidos durante a viagem do Comandante do Exército Brasileiro a China, e uma visita presencial às instalações da Norinco está confirmada na agenda do militar brasileiro.
Pela importância desses encontros, e pessoas envolvidas, e especialmente, pelos anúncios de inúmeros acordos binacionais divulgados após a visita do vice-presidente Geraldo Alckmin a China, noinício do mês de junho, fica muito claro que a compra da Avibras pela Defendtex não passou de uma cortina de fumaça que desviou atenções sobre essas negociações de alta escalão.
O vice-presidente Geraldo Alckmin e o líder chinês Xin Jin Ping. Firma: Agência Brasil
Isso também explica por que a passagem da general Laura Richardson (U.S. Southern Command) pelo Brasil no mês de maio, no bojo do exercício Southern Seas, teve um foco extremamente político/diplomático: O Governo Norte-Americano sabe que os chineses estão a costurar um grande acordo de Defesa com o Brasil, algo considerado crítico e extremamente perigoso para a Segurança Nacional dos Estados Unidos, como a própria militar fez questão de reiterar em suas falas durante sua presença no País.
O Risco China
A disputa militar e econômica entre os EUA e a China levaram a imposição de sanções comerciais por parte dos Estados Unidos contra diversas empresas ou instituições chinesas, os recentes casos do 5G e Tik Tok ocupando as páginas dos noticiários populares.
O texto que justifica essas sanções, retirado do Regulamentos de Sanções do Complexo Militar-Industrial Chinês diz que "a República Popular da China (RPC) está a explorar cada vez mais o capital dos Estados Unidos para obter recursos e permitir o desenvolvimento e a modernização dos seus aparelhos militares, de inteligência e outros aparelhos de segurança, o que continua a permitir que a RPC ameace diretamente os Estados Unidos e suas forças no exterior, inclusive através do desenvolvimento e implantação de armas de destruição em massa, armas convencionais avançadas e ações maliciosas via cibernética. A chave dessa estratégia é usar a grande economia do país, ostensivamente privada, como forma de impulsionar demandas chinesas. Portanto, constitui uma ameaça invulgar para o segurança nacional, política externa e economia dos Estados Unidos. Sendo assim, o Governo Norte-Americano declarou uma emergência nacional em relação a essa ameaça".
A capacidade tecnológica da Avibras faz dela uma das mais importantes empresas da Base Industrial de Defesa do Brasil. Firma: Avibras
Acontece que a NORINCO está na lista de empresas sancionadas pelo Governo Norte-Americano
, o que pode representar um empecilho poderoso nas conversas em curso entre o Brasil e a China, caso o negócio dependa ou faça uso de alguma instituição, serviço, empresa ou recurso financeiro que tenha uma mínima conexão com os Estados Unidos, mesmo fora do seu território.
Para exemplificar a questão, vamos citar o sistema de lançamento múltiplo de foguetes ASTROS (Artillery SaTuration ROcket System).
O principal produto da Avibras incorpora diversos componentes norte-americanos, e portanto está sujeito a restrições de exportação devido à sua dependência de certas peças fornecidas por empresas norte-americanas, como o sistema de navegação, que incluem componentes GPS, essenciais para garantir a precisão e a exatidão dos foguetes.
Também entram na lista o sistema de comunicações, certas partes dos motores, diversos sistemas eletrônicos de circuitos integrados e/ou processadores, e mesmo sistemas ópticos e de visão noturna.
Exatamente por isso, o negócio entre a Norinco e a Avibras só é viável se for uma decisão gov2gov, mantendo a transação estanque as sanções norte-americanas através de uma complexa operação financeira internacional.
O premier chinês Xin Jin Ping deverá visitar o Brasil em novembro, previamente ao Encontro do G20, e esta seria a oportunidade perfeita para os líderes de Brasil e China anunciarem esse acordo de Defesa que hora está sendo construído nos bastidores.
Aguardando o próximo capítulo da "Novela Avibras"!
Firma: Avibras